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quinta-feira, 21 de março de 2019

MUNDO BIZARRO - Alunos de escola rural são barrados em shopping de luxo em São Paulo



Parte de um grupo de 120 alunos de quatro escolas municipais de Guaratinguetá, interior de São Paulo, teve o acesso barrado ao shopping JK Iguatemi, na capital, quando chegou para visitar a exposição ‘Mickey 90 Anos’, na última segunda-feira, 18.
A funcionária da ONG que promove a exposição disse que o shopping “é de elite” e impediu que os estudantes do interior tivessem acesso à praça de alimentação. No grupo, com crianças de 6 a 10 anos, a diretora e alguns alunos são negros. A educadora denunciou o que entendeu ter sido “segregação racial”. Após a divulgação do caso, a funcionária foi afasta pela ONG Orientavida.
Era horário de almoço e as crianças, alunas da Escola Municipal Professora Francisca Almeida Caloi, pretendiam comer na Praça de Alimentação antes de ir à mostra, no 3.o piso do shopping. A escola atende crianças do bairro Pedrinhas, na zona rural do município e os alunos tinham ganhado a visita à exposição como prêmio pelo bom desempenho escolar.
De acordo com a diretora Jozeli Gonçalves, uma mulher que se identificou apenas como Beatriz impediu a entrada no shopping alegando que a excursão tinha chegado antes do horário e não havia razão para ela passear com as crianças dentro de um shopping “de elite”.
Jozeli informou que a visita havia sido agendada e insistiu na entrada, mas a mulher resistia. “Eu tinha sob minha tutela 34 crianças, mas havia outras escolas, totalizando cerca de 120 crianças. Ela disse que não tinha como atender aquela demanda e sugeriu que fôssemos a uma lanchonete da esquina, ou ao Parque do Povo, um espaço público, pois nossa presença fora do horário agendado geraria problema a ela com os seguranças do shopping.” O impasse durou cerca de 20 minutos. Foi necessária a intervenção da Secretaria de Educação de Guaratinguetá para que o acesso fosse liberado.
Negra, acompanhando alunos pobres de escola pública da zona rural, Jozeli acredita que houve preconceito. “Sou educadora e sei que não foi um mal entendido. Foi tudo muito explícito, foi um impedimento de acesso”, disse. A diretora conta que o intuito era passear com os alunos pelo JK Iguatemi para a realização posterior de uma ação pedagógica, comparando o espaço da capital com o shopping de Guaratinguetá.
A excursão foi previamente agendada com a ONG Orientavida, responsável pela exposição do Mickey. “Fomos antes do almoço porque as crianças queriam comer no Burguer King (rede de fast food) e os pais e professores tinham se mobilizado para que todas tivessem o dinheiro.”
Jozeli atua desde 2013 na rede municipal de ensino de Guaratinguetá e nunca havia passado por experiência semelhante. Ela conta que, num primeiro momento, não ligou o impedimento de acesso ao fato de ser negra. “Naquele momento, estava mais preocupada com as crianças. Só depois de ver que outras escolas entraram e alguns colegas me chamaram a atenção é que me dei conta de que foi racismo, segregação mesmo. Tínhamos, sim, alguns alunos negros no grupo e todos estavam com mochilas. Não tem como não levar isso em conta diante do que aconteceu.”
Ela conta que já levou os alunos a excursões em museus e shoppings da capital e nunca teve problemas desse tipo, mas diz que não condena o JK. “Recebemos pedidos de desculpas deles e o esclarecimento de que a senhora Beatriz seria na verdade uma funcionária terceirizada da ONG Orientavida. Gostaríamos muito que ela viesse a Guaratinguetá conhecer nossa escola. Trabalhamos com crianças de seis bairros rurais, com idades de 4 a 14 anos, da educação infantil ao fundamental 2. A gente se orgulha de ser uma escola sustentável e democrática. Pessoas, crianças e adolescentes têm o direito de ter suas necessidades atendidas.”
Depois de tornar público o episódio em redes sociais, a diretora recebeu muitas manifestações de apoio, mas também houve quem criticasse a dimensão dada ao caso. “Alguns não entenderam a profundidade da situação, falaram em vitimismo, oportunismo. Nós representamos também os filhos e netos deles. Toda criança, todo adolescente, jovem e adulto desse país tem garantido na Constituição o direito de ir e vir.” Jozeli espera que o caso não caia no esquecimento. “A gente precisa chegar ao foco disso. Esperamos que aquela pessoa (Beatriz) fale a respeito, se agiu por conta própria ou recebeu alguma ordem. Estamos na fase de averiguação para saber quais medidas podem ser tomadas.”
O prefeito de Guaratinguetá, Marcus Soliva (PSB), lamentou a “absurda discriminação” sofrida pelos alunos do município em local de acesso público. Ele disse que o shopping tem a obrigação de apurar o que aconteceu, já que hospeda o evento ao qual as crianças se dirigiam. A Secretaria de Educação do município informou que repudia qualquer forma de discriminação e continua acompanhando e apoiando educadores e alunos nas providências que forem necessárias.
O JK Iguatemi informou em nota que a exposição é organizada pela equipe da Orientavida e solicitou à direção da ONG que reforce o treinamento de sua equipe de recepcionistas do evento. “O empreendimento reforça que não compactua com a atitude tomada pela colaboradora da mostra e ressalta que trabalha continuamente para que todos os clientes sempre se sintam acolhidos e bem-vindos”, diz a nota.
A Ong Orientavida, responsável pela exposição do Mickey, divulgou nota informando ter desligado a colaboradora após ter conhecimento do fato, que considerou isolado e pontual. “A entidade reforça ainda que todos são bem-vindos na exposição e reitera que, a partir do momento que teve conhecimento do caso, tomou as medidas necessárias para que tal situação não mais ocorra”. A Orientavida informou que se dedica há 20 anos a projetos de inclusão e que não compactua com com qualquer ato de discriminação. Nenhuma das partes forneceu contatos da mulher conhecida como Beatriz que teria barrado a excursão.
Fonte: Folha de São Paulo